TRABALHOS
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Cristiano Lenhardt

Fernanda Gassen — Do desconforto e outros ritos

Tendo como preferência explícita ir ao encontro de determinadas coisas, delimitadas sob a perspectiva da relação luz e obscuridade, a imagem surge como espaço de implementação. Mergulho na superfície.

Neste passo, encontra-se o interior da estrutura de pensamento que designa um local de ancoragem, abaixo das camadas líquidas do horizonte. O marejar pulveriza-se em ar rarefeito. Efeito desconcertante onde a água torna-se invisível mas conserva-se em outros modos de existência, perdendo suas características.

O embate entre duas superfícies de corpos distintos, portanto incompatíveis, teima em  manifestar-se por meio de grunhidos, mesmo que mínimos, os quais se pode acessar, causando assim, e, acima de tudo, o pleno agrado. As dissonâncias sempre impõem-se como fios a agarrar. Atentar aos sons das formas dissonantes.

Ali onde vemos uma certa clareza de contento visual, algumas pequenas partes dividem-se, transformando-se em ínfimos ornamentos que nos tocam, nos acariciam, mais dos que nos acomodam. Do prazer do gesto e daquilo que nos alcança do plano para fora.

Mas, a quietude dos percursos nem sempre se mantém. Ela registra um movimento tenso e intenso do desejo como desígnio de quase tranquilizar o impulso, brotar dele imagem. Do desconforto e outros ritos.

Ações sobre um campo visível, líquido-aleatórias, não se diferenciam jamais daquele que as exercem, no entanto, distinguem-se aqui duas dimensões espaciais, aquilo que habita o plano e aquele que faz habitar. Ambas posições, em relação ao plano, são deliberadamente contestadas. Transitar.

Quando há dilatação esse trânsito se permuta. Por contingência da não separação das partes e sua decorrente falta de encaixe, o sujeito envolvido se separa. Bi-partição crítica em mergulho total.

Acontece assim: odores se modificam, enquanto aquilo que se aproxima da pele e move o corpo retorna por lembrança. Caminha reconhecendo os anteparos, as pequenas formas de vida que se interpõem à sua existência. Tudo o observa e se transforma diretamente em impressão no corpo.

Fernanda Gassen, para a mostra Matéria Superordinária Abundante, 2014.